Mensagem de Nelson, morador da Casa de Maria Luiza – agosto/22
Estava sentado em uma poltrona do corredor, no final da aeronave. Fazia sempre esse voo para vir para São Paulo, quando tinha fórum ou alguma reunião. O horário de chegada, por volta das 21h30, me facilitava a vida. Olhando pela janela do outro lado, mal e mal podia ver que chovia. O avião fazia algum balanço, mas, nada que assustasse. As luzes principais estavam apagadas e estava aquela penumbra. Ouvia algumas pessoas conversando aqui e ali e logo atrás de mim. Na cozinha traseira havia certa euforia e o pessoal da tripulação e mais umas pessoas falavam animados.
Lembro que estava tudo como sempre, mas notei que quando o avião tocou a pista a velocidade parecia maior do que todas as vezes anteriores. Não era fã de aviação, mas a experiência e alguma percepção me fizeram avaliar isso. Esperei ouvir o barulho que quase sempre ouvimos dos motores indo para trás e nada do barulho! Tudo foi tão rápido e acho que poucos perceberam até então que havia mesmo algo errado.
Todavia, quando o avião guinou forte para a esquerda, muita gente começou a gritar e alguns segundos depois senti meu “corpo” voar. Literalmente, senti que fui arremessado para fora, para … Mais nada!
Meu corpo não pareceu que caiu, mas que fora colocado junto a outras pessoas, no chão de uma rua. Isso é que me lembro. No meio da rua. Haviam muitas equipes de socorro. Não ouvia barulho, nem gente gemendo ou aflita. Apenas muita movimentação. Muita gente organizando as pessoas. No chão da rua. Não vi ninguém ferido ou com sangue. Apenas um ao lado dos outros. Não contei, mas, imaginei umas 20 pessoas.
Neste momento, entendi que o avião não conseguira parar e havíamos ultrapassado o final da pista. Havíamos batido.
Olhava em redor e somente havia aquela rua. Não vi casas. Não vi o céu. Estava tudo escuro e as equipes de socorro ali trabalhando.
Uma senhora se aproximou de mim e perguntou se eu estava bem, com alguma dor. Disse que não. Que não senti nada e perguntei o que havia acontecido. Ela disse que eu não me preocupasse, que eu estava e ficaria bem, mas que algumas coisas haviam mudado.
Mesmo com a recomendação daquela senhora, comecei a ficar inquieto, desejei me levantar sem conseguir. Comecei a me agitar a chamar por socorro. Senti um imenso desespero. Se chegou a mim, um moço, jovem, e tentou me acolher. Fiquei mais irritado com a calma do sujeito. Fazia força para levantar. Estava mesmo desesperado.
O moço, sem se perturbar com meu estado, me ajudou a ficar de pé e se ofereceu para me levar a um lugar seguro onde iriam me atender e prestar os primeiros socorros. Lembro de ter gritado que não tinha dor, que não estava precisando socorro. Queria saber o que tinha acontecido. Esse moço, que nunca mais vi, me amparou e, escutando minhas bravatas, foi me conduzindo por uma rua em leve descida. Avistei uma construção que parecia um hospital e na medida que fomos nos aproximando daquela construção no final da rua, reparei em outras pessoas que pareciam estar no avião. Alguns em silêncio, outros irritados como eu. Vi uma aeromoça, ela havia me atendido no avião, ela estava ali, quieta encostada no muro, parecia aterrorizada, e alguém saiu daquele hospital e a levou para dentro. Eu a segui. Lá dentro, aquele moço que me ajudara veio novamente em meu socorro e me levou para uma sala, sempre pedindo que me acalmasse e confiasse.
Me colocaram em uma fila, duas ou três pessoas à minha frente. Pediram que esperasse. Alguém já ia me atender. Eu vi que era uma sala com seis ou sete pessoas sentadas e elas cuidavam de outras pessoas que estavam por ali. Em dado momento, um homem imenso, uma régua de magro, com uma espécie de chapéu na cabeça que lembrava os egípcios antigos, me conduziu até um outro moço que estava sentado e pediu para eu falar o que queria. O que eu desejasse a falar.
Eu meio que comecei a falar e pensar, e um jovem bem próximo de mim reproduzia o que eu falava e pensava, como se fosse um intérprete. Aquilo estava me deixando em estado de grande terror, mas aos poucos fui encontrando uma sensação muito grande de calma, como se tudo estivesse certo, sob controle. Comecei a entrar em uma certa tontura leve. Um sono muito forte ia me dominando.
Não resisti a esse momento porque estava mesmo me fazendo bem, me deixando bem mesmo.
Faz pouco mais de 15 anos isso tudo. Tenho consciência de tudo que aconteceu. Morri no acidente daquela noite chuvosa em São Paulo com mais 198 pessoas. Fui acolhido por Irmão Francisco, aquele moço que me levou até o tal hospital, que sei hoje ser um grupo de orações. Fui com muito amor amparado por João, que depois me ensinaram ser um médium de boa alma, que diria, me salvou da dor da loucura daquele momento. Aliás, tenho estado muito próximo de João desde poucos anos para cá. Concordo que é de boa alma. Tenho procurado ajudar aqueles que chegam neste “hospital” em desespero e terror como muitos de nós daquele fatídico 17 de julho chegaram. Eu e a Karen, aquela aeromoça que estava encostada na parede. Com frequência, ela e eu fazemos excursões até o local onde o avião caiu. Ainda tem alguns por ali, em situação de imensa tristeza. Muitas dessas vezes, o João vai com a gente. A cada um de acordo com suas próprias obras. É a Lei.
Nelson
Desencarnado no acidente do voo TAM 3054, em 17/07/2007, no aeroporto de Congonhas, em São Paulo