Mensagem anônima – janeiro/24
Me encontrava com um grupo que vivia de perturbar aos outros.
Isso mesmo! A gente vivia de levar discórdia, inquietação, ideias impróprias e desalinhadas daquelas que garantem uma certa ordem do pensamento e alguma serenidade ao coração.
Erámos em 19 desencarnados desocupados que mantinham o medo, o remorso, a insatisfação, o vício e a revolta de encarnados invigilantes, desafortunados de fé e ansiosos por natureza.
Não faltava gente assim desorganizada e com largas tendências para a preguiça, para a insensatez e para o prejuízo.
Nem sei quanto tempo já vinha com aqueles ministérios. Vagávamos pelas mentes ociosas. Visitávamos casas sem preces, casas com cobranças e exigências mútuas. Lares onde faltava o respeito e onde se produziam pensamentos e atitudes nocivas à saúde da mente e do corpo. Frequentávamos motéis, casas de apostas, bares, boates. Muita gente disposta a nos render energias densas e tomadas de miasmas. Muita gente a pensar enganos e ilusões que visavam apenas saciar prazeres fúteis. Presas fáceis. Gente igual a nós.
Estávamos naquele tempo acampados na casa de uma família meio perturbada. Pai e mãe trabalhavam o dia todo. O pai tinha a mente na pornografia e a mãe na desilusão de um casamento sem satisfações. Dois filhos adolescentes. Uma menina um pouco maior e um menino. Os dois produtores de energias magnéticas abundantes sem destinação benéfica e cujos pensamentos eram mesmo exclusivistas, insanos e sem o menor senso de utilidade. Passavam a tarde, após a escola, entre uma longa sesta, jogos de vídeo, telefone e nenhum senso de responsabilidade. Reclamavam de tudo, esses dois, e quando próximos, brigavam e se agrediam. Paciência zero.
Não era um lar incomum. Já havia estado em muitos desses. Dinheiro com alguma sobra, pais ausentes, filhos sem prumo.
Prato cheio para nossa diversão.
A mãe quando chegava do trabalho, invariavelmente gritava porque estava cansada e ninguém tinha ao menos tirado os pratos da mesa. Do café da manhã! Abria portas com violência e como sempre, pegava os filhos deitados, sem produzir nada. Mais reclamações. Leu o livro? Estudou? Ligou para sua vó? As respostas eram sempre as mesmas: – Não! Um duplo não!
Quando o pai chegava, dava um oi geral, raramente respondido por alguém.
O jantar reunia a família. Momento de ordem e afeto? Qual o quê? Momento de cobranças, pedidos disso e daquilo, manifestações ruidosas de desapreço e desrespeito mútuo.
Quantas vezes escutei que a culpa era dos espíritos zombeteiros, ignorantes, malignos.
Quem, nós?
Até esse momento, garanto que não havíamos feito nada para começar tantas palavras de arrogância, orgulho e egoísmo. Riamos de ver o que pensavam, o que falavam. Uns vendendo moral e dignidade e acabara de ficar cobiçando toda mulher que cruzava. A outra que pensava no arrependimento de estar casada e como gostaria de voltar atrás e nunca ter tido marido e filhos. O menino que estava obcecado por ganhar um jogo eletrônico e a menina que só pensava em se dar bem e ser a mais cobiçada do colégio.
Nós nos divertíamos com aquelas cenas deficitárias. Cada um vendo só seu lado. Cada um por si e nem Deus por todos.
Sim, sim… confesso que uma vez todos em nossas frequências, capazes de receber nossas instruções, produzíamos desavenças, brigas e outras loucuras. Mas, eles começavam. A gente colocava um fim.
Aí sim, uma vez que graciosamente sintonizam conosco, colocávamos lenha na fogueira. Muita lenha na fogueira.
Iam todos para seus quartos. Cada um achando que havia sido prejudicado, colocado pra trás. Todos vítimas. Mas, se todos são vítimas, quem seriam os algozes? Isso, nós! Os desencarnados. Os espíritos do mal. É mesmo muita insanidade. A gente só aumenta. A gente só termina. Mas, quem faz quase tudo são os encarnados. Isso, sim!
E o mais engraçado era que a mulher, antes de dormir, já deitada e quase dormindo, abriu um livrinho azul pequeno, “Momentos de Sabedoria” lia e começa uma prece que nunca terminava.
A gente zombava mesmo. E ficávamos a espreita de quando aqueles corpos dormiam para aterrorizar a noite deles quatro.
O que ganhávamos com isso? Diversão. Satisfação. Prazer.
Mas, sempre tem um mas… Certo dia, bem no comecinho do dia, quando ainda estávamos brincando com os moradores daquela casa, chegou um grupo de desencarnados que sabíamos eram encrenca. Já tinha tido conhecimento desses tais. Vinham em bando, com tochas acesas e colocavam fogo em tudo. Mas era fogo que emanava luz e ardia, que queimava sem destruir. Ficaram um longo tempo e foram sucedidos por um outro bando, agora de espíritos que se apresentavam como índios. Esses eram mais danados do que os primeiros e vinham até com rede e passaram a recolher parte de nós, um, dois, cinco… levaram oito de nós. Para onde eles tinham ido? Levados qual bichos. Em seguida, chegaram alguns espíritos que pareciam equipes médicas e se instalaram em grupos ao redor dos encarnados. Daquele malicioso pai, ficaram uns seis; na mãe, mais uns cinco e em cada um dos filhos, mais um tanto. Saiam desses, raios de luzes de muitas cores que envolviam cada um deles a ponto fazer uma redoma em torno deles. E aquelas luzes iam penetrando em cada um, a ponto de transformá-los em algo que irradiava energia.
A essa altura não tínhamos mais acesso à mentes deles. Eles não mais nos percebiam ou guardavam nossas instruções. Todos os espíritos deles tinham se acoplado ao corpo, mas, ainda dormiam.
Ficamos mesmo bastante horrorizados com isso.
Concomitante a isso, entram casa adentro outros tantos espíritos, padres, franciscanos, gente de igreja. Começam a nos cercar e fazendo sair das mãos deles ondas de energias que foram nos deixando abatidos, fracos e, ao mesmo tempo, passei a sentir, não sei os outros, um sentimento estranho que não reconhecia. Sei que aquele sentimento de horror foi suavizando e fiquei com muito sono, muito sono mesmo e acho que acabei adormecendo.
Quanto tempo dormi? Sei lá. Se os outros dormiram também? Não sei mesmo. Mas, desperto, estava como em uma galeria e me lembro de estar com aqueles que me eram legião. Os padres, franciscanos e outros padrecos estavam entre e ao lado de nós.
Reparei como que no centro dessa galeria se encontrava a família maluca.
Tinha mais gente com eles. Uns seis ou sete de fora que nunca havia visto e a tal vozinha. Nunca gostei dessa mulher.
Em algum momento, começaram aquelas orações e ladainhas que me chegavam quais lanças disparadas contra mim. E falava de Jesus, falava de Deus. Citavam os tais bons espíritos e chegaram até a orar por nós, espíritos infelizes e distraídos, disseram.
Erámos infelizes? Distraídos? Engano deles. Abusados, talvez. Bagunceiros. Mas, não infelizes. Depois aqueles caras contaram um estória que tinha até um pensamento legal e depois mais orações e orações. Gente que não tinha o que fazer.
Mas teve um momento que foi inusitado. Reuniram a família no meio de todos e pediram que eles se abraçassem. Uns aos outros ao mesmo tempo. Uma bola de gente. Os quatro mais a vozinha. Os outros que tinham corpo fizeram o mesmo, cercando a família por fora. De repente começam a entoar várias vezes “nós amamos vocês”.
Não fazem ideia do que é isso. Nem eu! Mas, como um observador compulsório, vi que em torno daquela família de gente fraca, equivocada e cheia de erros, formou-se uma esfera de luz que doía de ver. Essa esfera foi criando lâminas de outras luzes, todas brancas que saiam e entravam pelo coração daqueles quatro. Iam deixando linhas de luz que parecia mais do que ligar os corações daqueles caras. E no rosto deles um sorriso se fez. Em uns mais e em outros menos, mas todos sorriam e sorriam ao passo que aquela luz entrava, saía e deixava rastro no coração deles. A mãe chorou. A filha ficou emocionada. A vozinha era lágrimas só. Nelas três, o branco ganhou colorido azulado.
Aos poucos aquela reunião parecia que ia acabando. Os que tinham o archote foram saindo. Os índios foram saindo. Aquela multidão foi toda saindo e ficaram os da igreja. Esses se reuniram em torno da gente e nos convidaram a ir com eles. Para uma clínica de amparo e acolhimento. E eu precisava de amparo e acolhimento? Não! Assim, me deixaram com uma opção: ou ir com eles ou deixar aquela casa. Ali não poderia mais ficar.
Fiquei quase na mão. Os que sobraram da legião escolheram conhecer ou experimentar sei lá a tal clínica. Sozinho não dá, né? Fui com eles. E isso já há uma penca de anos. De lá pra cá tenho oscilado bastante. Não estou preso, mas não sou obrigado a ficar. Vez ou outra me convidam para ir em casas de família que estão com espíritos infelizes. Entenderam? Espíritos infelizes. Tenho ido com os padres. Os que tem corpo hoje, ficam nas suas casas e falam por meio de ferramentas. Os sem corpo, não. Vão pessoalmente. Ao vivo e em cores, como dizem. Nós acompanhamos os da igreja. E, vez ou outra, conversamos com os tais infelizes para que venham conosco. A maioria vem. Alguns, como eu, por medo de ficar sozinho. Não importa. O que vale é que deixa os de corpo fazerem suas escolhas sem nossa cooperação. E, com isso tudo, tenho mesmo me sentido amparado e acolhido. E aprendido que pensamento é tudo, moçada.
(Anônimo)