Mensagem de Dinorah, moradora da Casa de Maria Luiza – dezembro/23
Me encontrava com tanta saudade de minha gente… sentia doer. Tinha dor de saudades.
Um câncer de mamas me subtraíra bem cedo da vida. Duas meninas lindas e espertas que gozavam a infância e, em sete meses, já não as tinha mais ao alcance dos meus braços.
Meu marido havia me machucado bastante com uma traição boba e nada inocente e, no meio da doença, nem sei se o perdoei ou negociei uma trégua por conta de tantas consultas, exames e internações e a necessidade de estar com alguém.
Existe um certo branco em minhas memórias. O que me lembro é de estar no hospital. Na última internação fiquei por mais de sessenta dias na Beneficência Portuguesa e, depois desse tempo, não lembro, ainda, claro o que aconteceu. Não tinha noção que havia morrido.
Buscava o quarto em que me encontrava e lá permanecia a maior parte do tempo, mesmo que ocupado por outras pessoas. Gente que não conhecia. Alguns enfermeiros sim, mas, os médicos, também não.
Um dia desses, que sei lá qual, havia um senhor adoentado. A esposa o acompanhava de perto. Os filhos os visitavam e outras pessoas, também. Sérgio era o nome dele. Sem precisão de tempo, um dia apareceu no “meu” quarto um grupo de quatro pessoas. Um tal de Sr. Milton, assim o chamavam. Estava com ele o que me pareceu sua esposa, uma moça bem magrinha e um moço rechonchudo e sorridente.
Pensei: “Como alguém pode vir visitar um doente e sorrir?!”
Após algumas pequenas trocas de palavras amáveis e leves, o tal moço larguinho convidou a todos para uma prece. Formaram um meio círculo em torno da cama do Sérgio e aquele que havia proposto, começou a falar. Nesse exato momento, o quarto se encheu de luz. Eram luzes de todas as cores, fios de luzes. Nunca tinha visto. Um perfume de éter exalou por todo o ambiente e escutei música. Fiquei mesmo impressionado com tudo aquilo. Quanto durou? Nem imagino e quando foi registrado um “graças a Deus!” tudo, por mágica, desapareceu.
Ofereceram um pouco de água ao doente e eu vi, água verde. Verde forte. A água estava verde forte entrando boca adentro.
Algo havia acontecido. Tudo parecia leve. Gostoso demais estar ali. Aquelas cenas me emocionaram. Logo, aquelas pessoas se despediram e em impulso corri atrás, antes que a porta do “meu” quarto se fechasse. Fui atrás daquela gente. Que ainda sorriam. Não apenas o gordinho, mas, todos estavam contentes. Descemos de elevador, saímos do prédio e alcançamos a rua. Estava como que magnetizada por aquele grupo. Dois desceram a rua, um deles era o que chamavam de “seu” Milton, e os outros dois atravessaram a rua e entraram em um carro. Entrei junto, apertada. Que estava fazendo? Nem pensei. Me deixei levar.
Entre ruas e manobras, a conversa era cordial e tratavam que a doutrina diz isso, falaram em um tal de Kardec que me parecia o chefe deles e um outro, Chico, que parecia ser um anjo de bondade.
Eu estava estranhamente bem. Estranhamente bem!
Parecia tudo uma loucura, uma loucura boa.
Quando paramos, paramos de frente a uma casa simples em uma rua com iluminação reduzida. Portão baixo, piso de ladrilho vermelho. Cafona, pensei.
Ao entrarmos, comecei a perceber uma multidão. Não dava para explicar a quantidade de pessoas que ali se encontravam. Algumas pareciam atravessar outras. Confusão.
Logo, no entanto, um senhor me chamou pelo nome!
Pelo nome!
Um misto de admiração e segurança, conforto e bem-estar me envolveu.
Deixe-me explicar algo. No hospital eu usava aqueles aventais deles, que fecham pela frente, abertos nas costas. O avental que usava tinha uma mancha de sangue na altura da minha mama esquerda. Aquele senhor me trouxe um avental limpo, diferente do que usava. Era um verde bem claro e vesti pela cabeça e me cobriu toda, favorecendo retirar o avental sujo com discrição.
Esse senhor se identificou pelo nome de Robson e me disse que eu tinha me curado do câncer e não estava mais doente. Comentou que a cura veio com o perdão ao meu marido. Perdão? E me convidou a acompanhá-lo até o fundo da casa onde havia um salão, para que eu acompanhasse o Evangelho. Anotou que o Evangelho era um culto e me faria muito bem.
Estava em transe. Seguia as orientações, cruzava com pessoas que se abraçavam, sorriam (olha o sorriso de novo aqui), conversavam animadamente.
Sentamos todos e aquela moça magrinha falou umas palavras iniciais. A luz tinha sido reduzida, havia uma música gostosa e terna envolvendo o ambiente. Não consegui acompanhar tudo o que a moça falou. Me sentia deslumbrada.
Acenderam as luzes e a moça chamou Emidio para a frente. E lá foi um senhor, assim de uns sessenta e poucos anos, que tomou o microfone e começou a falar sobre o poder da prece.
Meu Deus! Estava em uma igreja! Quantos anos que eu não frequentava uma igreja. Fiquei meio inquieta e Robson, ao meu lado, me tranquilizou e serenei um tanto.
Apagaram as luzes novamente e uma jovem senhora tomou o microfone e começou a orar! Nossa! As mesmas cores, os mesmos fios de cores que surgiram no “meu” quarto, apareceram novamente. Muitos fios de cores, de luzes coloridas. Se movimentavam rápido demais, deixando rabiscos por onde passavam.
Neste momento me lembrei de minhas filhas: Brenda e Beatrice. Não me contive e chorei. Chorei, chorei e chorei. Muito. De saudades, de tristeza, de “as quero muito”.
Mais uma vez, Robson ao meu lado, me incentivou à emoção. E chorei mais ainda! Sem dó, nem piedade.
Nem percebi que alguém havia substituído a moça das cores e luzes. Acenderam as lâmpadas. Tudo bem iluminado. Menos em meu coração. Em minha mente.
Robson, sempre ele, me amparou dizendo que tudo a seu tempo. Que me acalmasse por agora, que seria levada para uma casa transitória e muito seria esclarecido. Ponderou que eu precisava participar do tal Evangelho para ter o visto de entrada na tal casa.
E, assim, foi como eu fui demitida do mundo, deste mundo e admitida na Casa de Maria Luiza.
Tenho tanto para contar. Mas agora me pedem para me acalmar. Sim, ainda sou ansiosa. Leva tempo. E, sempre, sempre mesmo, venho naquela casa, que não tem mais portão de grade baixa e sim um muro grande, para participar dos Evangelhos e ver e sentir os fios de cores iluminadas.
Ah! Consegui trazer Brenda para essa casa. Ela, o marido e meu neto, Ivan. Quem sabe conto isso em outro dia.
Dinorah. Moradora de Maria Luiza há 23 anos.