– Entre Raízes e Estrelas

Mensagem de Álvaro, Trabalhador na Casa de Maria Luiza – maio/25

Me chamo Álvaro. Desencarnei em 1978, num tempo em que o silêncio era imposto à força, e os olhos do Estado buscavam sombras onde havia apenas passos solitários. Eu não tinha laços com militâncias nem com os companheiros que comigo foram levados naquela noite escura — mas parece que a vida me escolheu para aquela travessia abrupta.

Não guardo mágoas. Ao contrário: agradeço. Não pelo sofrimento, claro, mas pelo que pude enxergar depois do véu da matéria. Antes mesmo de desencarnar, eu já me achegava às fileiras do Consolador Prometido, servindo na câmara de passes da casa espírita “São Pedro e São Paulo”. Foi ali que senti o primeiro sopro de esperança, o primeiro toque real da vida maior.

Logo após o desencarne, experimentei um longo tempo de recolhimento, como se a alma precisasse de silêncio e abrigo para organizar o que sentia. E foi assim que cheguei à Casa de Maria Luiza, esse lar tão terno, onde a transição é envolta em acolhimento, respeito e muito trabalho. Desde então, é aqui que cultivo minha paz — com as mãos na terra e o coração nas alturas.

Meu ofício por aqui é a jardinagem. Parece simples, mas não há nada de pequeno no gesto de cuidar da vida que brota. O que alguns chamariam de “serviço braçal”, para mim é um ato de devoção. Cada muda plantada, cada folha aparada, cada canteiro regado é uma prece viva. Há quem diga que as flores reagem ao amor — eu digo que elas são amor em forma de cor e perfume.

Não estou sozinho. Aqui vivemos como irmãos. Há os mais antigos, mais experientes, e os recém-chegados, ainda com os olhos marejados de saudade. Há médicos, lavadeiras, professores, crianças… A Casa abriga todos os que precisam. Nossa rotina não é leve, mas cheia de sentido. Pela manhã, partilhamos o estudo — sempre o Evangelho de Jesus. À tarde, cada um se dedica ao seu ofício. Alguns cuidam das enfermarias espirituais, outros dos internos, outros ainda da música ou da acolhida.

À noite, sentamo-nos no pátio da casa, onde há bancos simples de madeira e uma figueira frondosa. Conversamos, rimos, às vezes cantamos juntos, e sempre oramos. A prece, aqui, é como o ar: alimenta, limpa, conecta.

A natureza, nesta colônia, é viva de uma forma que não se pode descrever com palavras humanas. As árvores parecem respirar com a gente, e os pássaros não apenas cantam, mas dialogam. Às vezes, observo uma borboleta e me lembro das transformações pelas quais já passei — de lagarta cansada a voo sutil.

Sigo aprendendo. A cada dia descubro que servir é um jeito de amar. E amar é um jeito de se elevar. Mesmo tendo sido vítima da incompreensão de um tempo difícil, não carrego revolta. Compreendi que o Brasil, como todos nós, também está em processo de aprendizado. Carrega o peso da escravidão, da desigualdade, da intolerância… Mas também carrega sementes de compaixão, liberdade e luz.

Se me perguntam se tenho saudades da densidade encarnada, digo que sim — mas não da vida material em si. Tenho saudade de ver um coração se abrindo para a verdade, de ver alguém descobrir o perdão, de ouvir um “obrigado” vindo do fundo da alma. E quando esses gestos acontecem por aí, saibam: nós, daqui, sentimos como se o jardim da Casa de Maria Luiza estivesse florindo mais uma vez.

Com carinho fraterno,
Álvaro
Servidor da natureza e da esperança
Casa de Maria Luiza

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